Como favorecer a elaboração do luto pela criança?

Em tempos de pandemia, muitas crianças e adultos estão vivenciando a perda de alguém que amava.

Ainda que a morte seja parte do processo de desenvolvimento humano em nossa cultura observa-se a negação de sua existência, o que dificulta a elaboração e o acesso das pessoas acerca de estratégias específicas no enfrentamento sobre esse tema.

Para quem trabalha na área de saúde mental é comum observar pessoas com problemas de saúde resultantes da não aceitação acerca da morte ou mesmo de elaborações mais complicadas do processo de luto.

Um dos fatores que impacta nesse tipo de quadro trata-se da dificuldade em reconhecer que a morte é um processo que integra a vida. Falar sobre a morte nos permite desenvolver a consciência sobre nossa finitude, proporcionando uma oportunidade interessante de avaliar a maneira como estamos vivendo. E esse é um conhecimento que também pode ser favorecido junto a criança, ajudando-a desenvolver um olhar mais natural para a morte.

Com isso, sugerimos algumas dicas sobre como abordar o tema com as crianças:

1. Use a palavra morte de maneira adequada:

Esclareça sua irreversibilidade. A morte também é um conceito a ser desenvolvido pela criança, e nesse sentido, também deve ser ensinado.

2. Use exemplos do dia a dia da criança para explicar o que é morte:

Mostre que tudo tem um ciclo de vida. É possível trabalhar a ideia de que a vida e a morte compõem um ciclo contínuo com experimentos simples, tal como plantar um pé de feijão no algodão: a semente germina, cresce e morre. A observação da natureza sempre oferece oportunidades de perceber a importância desse ciclo.

3. Utilize livros, filmes e músicas:

Permita com que a criança tenha acesso a filmes, livros e músicas que abordem o tema, respeitando o interesse da criança.

4. Atente-se para as emoções da criança:

Sabemos que esse conteúdo poderá mobilizar sentimentos na criança, lembre que o sofrimento faz parte da vida e estimule que ela fale sobre como se sentiu. Essa também é uma oportunidade de estreitar laços com a criança e demonstrar que você está disponível para conversar sobre temas difíceis ou dolorosos.

Portanto, quando alguém próximo de uma criança morre, deve-se evitar a ideia de que ela precisa ser preservada do sofrimento, pois com isso, algumas famílias evitam comunicar e nomear claramente a morte para a criança, usando eufemismos como “virou estrela”, “viajou para longe” ou “está no céu”.

O desencontro ou falta de informações, juntamente com a dificuldade da família em compartilhar os sentimentos relacionados à perda, são aspectos que contribuem para deixar as crianças sem o devido suporte emocional, sozinhas em seu sofrimento, dificultando o processo de reconhecimento acerca dessa nova realidade e a elaboração da perda.

A raiva, por exemplo, é uma das reações emocionais despertadas perante a perda e o luto. Autores que estudaram esse fenômeno como John Bowlby e Elisabeth Kübler-Ross, identificaram a raiva como um sentimento importante no processo de elaboração do luto. Entretanto, muitos de nós foram criados pensando que não deveríamos sentir raiva e com isso, é comum que não possamos desenvolver estratégias para lidar com esse sentimento.

No processo de luto, a raiva pode significar que os sentimentos vividos pela criança estão despertando do entorpecimento e da negação inicial que costumam acontecer frente a esse tipo de evento.

De modo geral, raiva é um sentimento que é direcionado para alguma coisa ou para alguém. No caso do luto, ela pode aparecer como uma ideia de abandono por parte de quem morreu, ou mesmo ser atribuída a alguém ou a algo, que na compreensão da criança poderia ter causado a morte de seu ente querido.

Favorecer um espaço de expressão desse sentimento não significa permitir que a criança seja agressiva com outras pessoas, mas refere-se ao processo de auxiliar a criança a aprender como manejar e canalizar essa raiva.

Um elemento importante pode se encontrar na descarga adequada das respostas físicas despertadas por esse sentimento, tais como: socar uma almofada, chutar um colchão, correr até cansar, gritar, etc. Outro aspecto fundamental a ser considerado é a estimulação para que ocorra a expressão verbal da criança sobre a raiva, favorecendo sua elaboração também na dimensão simbólica.

Com isso, destaca-se a importância de que no processo de luto infantil alguém possa exercer a função de continência para os sentimentos de raiva da criança, oferecendo um ambiente acolhedor e seguro, ajudando-a lidar com os diferentes sentimentos que podem emergir depois da morte de um ente querido.

Como a perda da criança também se refere a um processo de luto em sua família, é possível que ambos possam vivenciar dificuldades em lidar com a situação e com a expressão de seus afetos.

Em casos como esse, compreende-se que o acompanhamento de um profissional qualificado possa ajudar crianças e famílias a lidarem com o impacto emocional que tal vivência acarreta, a fim de minimizar os danos causados por esse evento e ajudando os evolvidos a atravessar esse momento de vida de forma mais saudável.

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